sábado, 28 de outubro de 2023

NO OUTRO MORA O MEU REFLEXO




Que mundo é esse onde não posso habitar onde o outro habita. 

Que mundo é esse que tanto nos separa (fronteiras/cor/gênero/política/idéias) e que tão pouco nos une.

Que mundo é esse...

 

Quando não consigo enxergar o outro como humano, revelo em mim a desumanidade.

Que dor é essa que me faz supor que fazendo doer no outro encontro descanso para as minhas feridas.

Como posso supor que o outro me enxergue humano ao revelar à ele a minha desumanidade.


O que deu errado no caminho?

Onde foi deixado o coração?

Para onde caminharemos?

Que amor é esse, que só o entrego a quem me é “igual”?

O diferente não partilha da minha melhor parte.

Onde foi que me tornei apenas eu, quando sozinho nada sou?

 

Só consigo ser eu quando sou o outro, pois o essencial é sermos nós.

Quando não enxergo o outro, fecho os olhos para a beleza do mundo.

O diferente é a mim semelhante em tantos pontos.

 

A empatia nos aproxima , o amor nos torna gente, e a partilha me torna semelhante.

Que os olhos não cansem de ver o que o coração desistiu de enxergar.


Difícil não é dar o que você tem, difícil é dar o que você é.

Eu só me enxergo no outro, pois nele mora o meu reflexo.

Sozinho nada sou, minha essência é multiplicar.

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

BRISA LEVE E VENTANIA

 


Ela é efervescência, céu brilhante e escuridão 

É amor e saudade, é verde e concreto, abrigo e solidão

É agito e silêncio, breu e luz do dia

Ela é contraste e convergência, é essência da consonância e da dicotomia.  


Ela um milhão de coisas em um único dia 

É vendaval e calmaria, 

Consegue ser ausência e presença, ser muito e nada ser

Já confiou em todo mundo, hoje desconfia do mundo e acredita mais em si mesma.

Ela consegue ser tudo, aprendendo apenas a viver


“Ela” não é um simples pronome  e não precisa de definições. 

É cheia de características e sentimentos, tão profundos e intensos.

Ela é um oceano de mistérios, só entre nesse mar se souber navegar... 

Se não souber, só ancore, ela te ensina a suportar a tempestade.


Ela quase sempre é independente.

Ela é corajosa de um jeito que surpreende. 

É doce, forte, capaz e reluzente;

Ela é a luz que mora dentro dela, mas amanhã  pode mudar, ela não tem compromisso em ser a mesma sempre.


Ela é um caos disfarçado de calmaria, uma força da natureza em ebulição.

Tem a mania de seguir em frente sempre;

Tem aquela fé bonita de que tudo no fim dará certo.

É feita de sonhos e projetos.

Há infinitas formas de ser ela.


Mas não foi sempre assim...

Ela mudou. 

Hoje ela desiste de quem não insiste nela.

Ela só da seu amor a quem cuide dele.


Ela era jardim, agora resolveu mudar e viver como flor: se colorir sozinha.

O tempo e as dores a fizeram mudar. 

Sim. ela mudou, ela era brisa leve, agora ela é ventania.



terça-feira, 8 de agosto de 2023

DA VIDA SÓ CARREGO O QUE NÃO PESA

 


Os últimos anos não foram fáceis, muitas perdas e poucos encontros. Mas estamos de pé, caminhando pelos caminhos que escolhemos e colhendo o que plantamos no caminho. 

Sou grata a Deus por não me dar tudo o que pedi, e por levar coisas ou pessoas que eu quis aqui, mas que não deviam ficar. 

Eu aprendi com a vida que ser feliz é mais fácil, então desobedeço a tristeza algumas vezes. 

Outras vezes dou voz ao choro, as lágrimas lavam a alma quando ela precisa de limpeza.


O tempo ensina que não temos o controle absoluto sobre nossas vidas. 

Há circunstâncias que trazem tempestade ao nosso mar, e por mais que o marinheiro tenha o leme nas mãos, nem sempre irá prever um mar revolto. 

O mundo não para por você, e respirar pode ser a solução do momento. 

As vezes, o mundo está agitado demais para tentar entender.

Então eu respiro, a respiração é a mente se aliviando, a alma se purificando, o desespero tentando se controlar.


Somos capazes daquilo que realmente temos vontade de fazer, o que mais nos impulsiona é acreditar que é possível.

Se deu errado, olhe para frente e para dentro, corrigir as falhas e acertar os passos, faz o caminho ser mais fácil.

Os dias nublados são como os dias de sol, somente suas cores são diferentes.


Sou feliz por entender que os pequenos acontecimentos diários é que tornam a vida especial e que o aprendizado nunca termina. 

Vou falhar algumas vezes, mas não há perdas, ou eu ganho ou eu aprendo.

Não existem partes da vida que não contenham lições. 


Da vida só quero levar o que não pesa, o que é fácil carregar, o que não dói, e o que ocupa espaço sem me bagunçar. 

Só quero o que caiba nos braços, os beijos, os laços, não preciso dos nós, de nenhuma partida eu faço questão.

Nos passos do caminhar dos anos, só quero comigo as risadas soltas, os abraços apertados, o amor sem medida, o sossego e a leveza, a esperança e a beleza, pois eles cabem certinho no meu coração.

terça-feira, 27 de junho de 2023

A CASA E A CABANA

 


A vida é uma lista do que perdemos

Do que nos deixa, e do que deixamos

A perda é um processo indissociável da vida.

Cada encontro está carregado de perdas.


Eu cresci querendo conquistar o mundo, e lutei muito por isso.

Conquistei tudo  que sonhei, mas no caminho me perdi.

Quando me dei conta que eu tinha tudo o que queria, me vi sem sonhos pra sonhar, e sem objetivos a seguir, e me dei conta de que não sabia viver assim. 

O que me movia era o processo e não a conquista, nesse momento me vi sem mim. 


E sem mim, fui perdendo, aos poucos, tudo o que construí, as pessoas que conquistei e o tempo foi levando alguns outros que me eram insubstituíveis.

Eu precisava de mim, de me buscar, me encontrar, então deixei tudo pra trás e saí por ai.


Sem rumo e sem direção eu ia onde o vento me levava, comendo o que tinha a disposição e dormindo onde batia o cansaço.

As perdas inesperadas e insubstituíveis me deixaram à deriva abalaram uma construção que eu julgava sólida, me desmoronou. 

Eu precisava me reconstruir


Lembrei que quando criança nas viagens de férias, minha irmã e eu nos refugiávamos em uma cabana, perto do lago, que nosso pai construiu pra nós, perto da nossa casa de campo.

Há muitos anos não voltava lá, desde que comecei a preferir a mim, a viajar com os amigos e não me importar com a família. Fazia tanto tempo...

Perdi meus pais, minha irmã foi morar fora e eu nunca mais voltei lá.


Resolvi ir até lá. A casa estava envelhecida, desgastada, com paredes descascadas e muros ruindo.

Fui até a cabana e tudo estava um caos, praticamente não existia mais, perdeu o brilho, a beleza e o aconchego.

Pouco carregamos conosco além dos anos e fui aprendendo a vida nas perdas.


Em meio a destruição, eu me vi: quebrado como as portas, rachado como as paredes, sujo como o chão.

Me dei conta que perdi tudo o que nunca tive, e na verdade o que eu sempre tive estava ali, eu, a cabana, a casa e a infância passada.


Esperei passar o vento e a tempestade ceder

A reconstrução se inicia somente após o vento e a tempestade irem embora

Comecei a reconstruir, a reerguer os pilares da vida e da edificação

Enxergar a própria ruína e os escombros da alma

Enxergar-se é o início de todo processo de reconstrução

Eu não podia mais ficar escondido nos escombros de mim mesmo.


Enquanto subia as paredes, eu reatava meus extremos e voltava pra mim

Enquanto edificava o teto, meus alicerces se fortaleciam.

Ao mesmo tempo que as pedras que se encaixam, eu me quebrava e me moldava. 

Aqui dentro estava uma bagunça, entulhos de uma vida inteira.

Enquanto e reforma decorria eu deixava morrer o que a morte já havia sepultado,  e deixava viver o que dela ressuscitou.

Deixava partir, o que não quis mais ficar e deixava ficar o que me era importante.


Plantei novas flores no jardim, podei as folhas mortas, reguei o solo da vida, para que as novas sementes crescessem em terra boa.


Pintei a parte interna, mas antes tive que descasca-la, reparar as brechas, lixar as feridas e passar uma boa tinta para que o interior não embolore no futuro.

A pintura externa eu já estava acostumado, já colori muito o exterior para não mostrar o que estava sem cor por dentro.

Mas desta vez foi diferente, ao pintar as paredes, eu coloria a alma.


Os quadros colocados na parede se destinavam a contar histórias e a criar memórias.

Os móveis arrumados em seus lugares preenchiam os vazios do peito, os espaços em branco, os cantos desabitados que havia em mim.


A casa foi reconstruída e com ela o meu eu, enquanto ela se erguia eu reconstruía o que em mim estava desmoronado.

As cicatrizes dessa história se convertia no aprendizado da reconstrução.


Enfim era hora da cabana, tantas memórias...

As madeiras escolhidas com carinho tinham o cheiro da infância

Cada prego na madeira dava sentido à construção

Enquanto envernizava pensava em como é difícil tirar todo o verniz com que fomos feitos. São camadas e camadas de regras, verdades, mentiras e convenções - impregnados por anos a fio, moldando-nos, sufocando-nos.

Cabana arrumada reconheci nela o meu lugar, abri a janela e deixei o sol entrar.

O sol iluminou tudo por dentro, trouxe vida nova, leve e em paz.


A reforma terminou, o caminho exigiu aprendizado, muitas vezes, dolorido.

A casa, a cabana e eu... 

Nossos pedaços, nossos interiores estavam reparados.

Muitos fragmentos perdidos foram muitos, mas estávamos reconstruídos

Somente quando a casa interior foi arrumada é que encontrei a forma ideal para o exterior.


Eu me tornei casa arrumada

Eu quis mudar o mundo, quis conquistar e ser reconhecido. 

Hoje eu quero bem pouco, só o que possa levar comigo. 

Escrevo da cabana reformada, como um menino que nunca saiu dali.




terça-feira, 2 de maio de 2023

AS CORES DO OUTONO DESENHARAM MEUS CAMINHOS




O outono chega e as folhas mudam de cor e caem ao primeiro vento, poupando sua essência vital e adquirir força suficiente para passar o Inverno.

O outono é o tempo a envelhecer, tempo de  abrir mão para seguir firme para os próximos ciclos, e continuar a crescer.

É a estação da transição, de mudanças rápidas do tempo, é também tempo do amadurecimento dos frutos.

É tempo de arar, adubar, podar e preparar a terra para novas semeaduras.


A natureza segue seu ciclo de transformação e se ajusta as mudanças.

Assim como é na natureza, também acontece dentro de nós.

Temos necessidade de um tempo para nos recolher, olhar pra dentro e nos avaliarmos.

É o tempo de deixar ir o que não nos faz bem, para que nossas forças possam gestar novos tempos e novas estações.

É o momento de movimentos de partida, de nos livrarmos de sentimentos antigos e de situações que nos fizeram sofrer.


No outono, a natureza está em um ritmo mais leve e desacelerado.

É o momento de economizar energia, emoções e pensamentos, de livre-se da sobrecarga e reduzir o ritmo, observar a vida, num processo ordenado e sublime.

Nossa existência é transitória como as nuvens do outono.

Que o outono faça comigo o que ele faz com a folhas, leve o que não cabe mais para dar espaço ao novo.


Busco, no outono, me apaixonar pelas raízes, pois quando não houver flores que eu saiba que as folhas secas, esparramadas pelo chão, serão levadas pelo vento.

E o jardim ensolarado, dentro de mim, anunciará o tempo colher flores. 


De estação em estação, como na natureza, aprendi, em mim, a obedecer meus ciclos

Hoje sei como voltar: as cores do meu outono desenharam meus caminhos.

sábado, 22 de abril de 2023

PEGOU O ÚLTIMO TREM E PARTIU

 



Ela pegou o último trem essa noite, não deixou rastros, partiu. 

Foi para muito longe

E nem se despediu

Foi para onde não pode mais ser alcançada. 

 

O vão entre o que se quis e o acontecido foi profundo demais. 

Ela não suportou, entrou no último trem e partiu.

Não deixou laços, não deixou amarras.

Apenas se foi, solta para algum lugar que não se sabe onde

 

Ela não quer ser encontrada

Quer ficar só pois está sobrecarregada

Ela carregou sobre si os entulhos de uma vida inteira. 

Não pode mais resistir, desabou, juntou seus pedaços, fez as malas e partiu. 


Foram feitos tantos remendos em seu avesso 

Que a dimensão do seu pequeno mundo cedeu, rasgou. 

Restou à ela ir embora. 

Ela partiu sem passagem de volta, não fará movimento de retorno, ela não sabe voltar.



quarta-feira, 5 de abril de 2023

CARREGADOS DE TEMPESTADE, NOSSA NATUREZA ESTÁ NUBLADA

 




Nada tem nexo, tudo é apenas um reflexo “Millor Fernandes”


Somos o reflexo daquilo que nos ilumina, invariavelmente, se o que nos “ilumina” são trevas, é a escuridão que vamos refletir.

Somente o espelho da consciência mostra, de fato, quem somos. Os outros espelhos mostram, apenas, egos refletidos.


Estamos vivendo uma atmosfera carregada de tempestades, e a nossa natureza está nublada.

Sem poder olhar adiante, não estamos encontrando a direção, estamos perdidos no meio do caminho, e a chegada está incerta.


Somos o reflexo da sociedade em que vivemos. 

Somos o reflexo de cada pessoa que passa por nós, pessoas múltiplas, de diferentes origens e contextos sociais, de percursos e de uma infinidade de histórias.


Erguem-se dias difíceis a cada nova manhã, o que está acontecendo conosco? Divididos e raivosos. O mundo está ao contrário.

Tempos difíceis, em que  temos a vontade e a necessidade de viver, mas não a habilidade.


São tempos de larga mudança nos valores, passamos por mudanças bruscas que pensamos  - nos transformaria - e transformou, só não foi para melhor. 

A velocidade com que a informação flui no mundo moderno, torna cada dia mais complexa a manutenção do que conhecemos por relações humanas. Pessoas se tornaram descartáveis. E ao não terem serventia, simplesmente descarta-se.


No livro “Amor Líquido” Bauman escreve:

“Para ser feliz há dois valores essenciais que são absolutamente indispensáveis: um é segurança e o outro é liberdade. Você não consegue ser feliz e ter uma vida digna na ausência de um deles. Segurança sem liberdade é escravidão. Liberdade sem segurança é um completo caos. Você precisa dos dois”.


Não temos liberdade e nem segurança, o que dirá os dois.

Em tempos de relações imediatas, pautadas no momento e no que podemos obter, esquecemos de ser. De ser para nós e ser para os outros, lembrando que somos parte ativa das vivências que construímos e das experiências que compartilhamos.

Em tempos difíceis substituímos abraços por sorrisos, Os relacionamentos escorrem das nossas mãos por entre os dedos feito água.


A tecnologia que foi feita para nos aproximar, também nos distanciou, e a distância que impusemos ao mundo, trouxe consigo uma mudança permanente no modo como a sociedade se desenvolve, e, na maneira como ela se seguirá.

As pessoas seguem a correnteza, e entre desapegos e desafetos, vamos nos afogando num mar de incertezas, onde ninguém sobreviverá.


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