terça-feira, 28 de março de 2023

EU: A CAPELA ABANDONADA

 



Eu finalmente estava na ponta da mais alta pedra, na mais alta das montanhas, vislumbrando os montes, apreciando o mar e sentindo o toque leve do vento.

Águas cristalinas em toda a imensidão ao redor, contemplava o céu, infinitamente, límpido. 

A vastidão do mar e o infinito do céu formando uma só paisagem, como se unidos estivessem. No ar passeando pelo infinito,  eu avistava a imensidão do tempo. 

O tempo presente se faz ausência, meu olhar que contemplava tudo ao redor, toda a beleza e riqueza que meus olhos pudessem alcançar.

A brisa do vento penetrava em mim. 


Ao contemplar toda a vastidão do horizonte, me peguei avistando, ao longe, algo que parecia ser uma capela. 

Voltei meu olhar para o céu, vi os pássaros em voos, como se num balé, saudando a natureza. 

Na imensidão do mar contemplava toda beleza do que estava a minha frente, e do que em meus sonhos eu planejava um dia avistar.

Olhei o caminho das pedras até o mar, pareciam esculpidos a mão, e na verdade é, pelas mãos de Deus. 

Meu olhar se encontrava novamente com a capela, casebre ou algo parecido.

Me perdi novamente na paisagem, todo o verde que gentilmente cobria as pedras, desenhando lindos contornos, formando um tapete esculpido pela natureza. 

Nas nuvens que desenhavam o céu me perdi como na infância,  encontrando desenhos de cavalos, sereias, golfinhos, e muitas outras figuras no céu, que deixavam o meu coração feliz.

Hoje os meus olhos vêm muito mais que isso, mas o coração já não sente.


Novamente desviei o olhar para a precária construção, perdida ali, no meio do nada.

Algo me envolvia ali, percebi que havia uma trilha até lá, que não me parecia tão longe pra se chegar, eu olhei com mais cuidado e me perdi em sua arquitetura, que me perecia, bela mas empobrecida. 

Tendo admirado tudo ao redor, a beleza infinita da natureza e mesmo querendo estar exatamente ali, algo me empurrava para a capela.

Me deixei levar.


Caminhava com passos curtos e olhar atencioso, descia o vale com outro olhar agora, percebi que na ânsia de chegar ao topo não me atentei ao caminho, o foco me tirou a visão do todo.

E me dei conta do caminhar, das pequenas pedras no chão, do fio de água que corria montanha à baixo, das folhas que mesmo após caírem das árvores, se transformaram para embelezar o chão. 

Continuei caminhando, percebendo a tom do verde, a cor das folhas secas, observando a beleza das palmeiras, sentindo o cheiro das rosas, pisando as pequenas pedras no caminho.


Me peguei sorrindo, atentando a beleza do caminho.

No caminhar senti a mudança do vento, os contornos da paisagem, os meandros da vereda.

Não me dei conta da sua beleza, das sua importância, nem mesmo das dificuldades que enfrentei. O objetivo da chegada, me fechou os olhos para o caminho.

Meus passos seguiam firmes e eu seguia contemplando as partes do todo. 


Olhando da montanha, a capela não me parecia longe, mas caminhei não sei por quanto tempo, me pareceu uma caminhada bastante longa, mas não senti o cansaço, apenas andava e aprendia, ao caminhar, a contemplar o caminho.

Percebi enquanto descia,  os muitos obstáculos que enfrentei na subida.

Por muito tempo caminhei, e o caminho transformava a mim, o caminhante.


Quando cheguei era diferente o lugar, a capela com a bela construção era bem menor do que avistei lá de cima e mais envelhecida do que me pareceu.

Parecia abandonada e sem cuidados, triste e esquecida.

Uma parte de mim não queria entrar, não estava confortável em faze-lo, fiquei ali parada olhando pro nada, pensei em o quanto andei para estar ali e agora simplesmente não queria explorar.

Uma outra parte me empurrava em direção a porta, era magnético eu não podia evitar.

Me deixei levar.


Empurrei a porta, parecia emperrada, forcei,

A porta era pesada, velha e enferrujada difícil de abrir. 

Forcei mais um pouco e então se abriu, rangendo e parecendo se negar a me deixar entrar, entrei.

Ao entrar era só vazio e solidão, sujo e sem vida, escuro e frio.

Paredes rachadas e entulho nos cantos.


Uma fresta de luz invadia o ambiente pelo teto, que também estava em ruínas. 

Por instantes me perdi no brilho da luz refletida. E ao me perder na pequena fresta de luz que tentava penetrar a escuridão do lugar eu a entendi o sentido do momento, o significado do caminho, a razão da chegada.

Ao chegar no topo da pedra, no alto da montanha, o caminho finalizado, a meta  concluída, o objetivo foi alcançado mas eu não estava mais ali, eu estava adiante.


Eu cai em mim, de que era a primeira vez que eu olhava para onde eu estava, não estava olhando para frente, para o que eu queria alcançar.

O meu olhar sempre a frente não enxergava o que estava ao redor, menos ainda o que estava dentro.

Me dei conta que o que estava dentro, estava abandonado, envelhecido, triste, empobrecido, era escuro e vazio. 

Eu não abria as porta em mim, há algum tempo, ela enferrujou, virou desamparo.

É difícil entrar em um lugar assim, é preciso forçar, e a dificuldade em penetrar faz muita gente desistir, inclusive nós mesmos.


Por falta de cuidados, quando você não olha pra dentro, o lugar fica vazio e só, sem vida, escuro e frio, racha as paredes da vida e acumula entulho nos cantos do tempo.

O lugar fica desprotegido e vira desamparo.


A capela longe, era a distância entre mim e o que está dentro, o abandono e desabrigo é o meu descuido com o que há em mim. 

Por tanto tempo me preocupei com o que estava fora e adiante que esqueci de cuidar do que estava dentro e próximo, me preocupei com o caminho e esqueci a caminhada, me importei com o brilho da luz que queria alcançar e deixei a escuridão entrar e tomar lugar da luz que havia aqui, dentro de mim.


Quando enfim entendi o que vislumbrava na fresta de luz, me deixei levar. 

Tudo, dentro de mim, se iluminou e eu dei conta da beleza do que estava dentro e fora. 

As paredes do tempo tinham marcas do que vivi, os cantos entulhados as muitas experiências que carreguei, a poeira era para encobrir os maus momentos e

então a luz se fez e invadiu todo o lugar.

Penetrou a capela, penetrou a mim. Encheu o lugar, encheu o meu eu.

De repente, tudo era luz e imensidão, era cheio de vida e acolhedor, vi o que era beleza dentro de mim.


Não era o topo da montanha, não era o alto da pedra, não era o soprar do vento, e nem mesmo a capela, era eu, mas o meu desassossego não me deixou ver.

Busquei por muito tempo o que era eu, e me perdi. 

E quando encontrei o que não era eu, então eu me vi. 

Entendi que eu não precisava ter ido tão longe, para encontrar o que esteve o tempo todo aqui.

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