quarta-feira, 1 de agosto de 2018

ME TORNEI O SILÊNCIO E O MAR

                      


Eu precisava fazer minha peregrinação
Aprender a lidar com as minhas perdas
Revisitar minhas ausências
Adentrar os meus mundos
Olhar para o mar desconhecido da minha alma.

O cais era meu ponto de partida
O barco era meu único companheiro 
O destino? 
O profundo oceano dentro de mim
Queria respostas para as minhas muitas perguntas.
O solitário das águas distantes era o caminho.

Mar adentro, numa tarde fria e cinza...
Eu era a tarde, e não sabia.
Hoje trago na memoria a primeira noite no escuro do mar.
Apenas as estrelas iluminavam o meu pequeno mundo
E brilhavam no oceano da minha escuridão.

Encontros e desencontros ficaram para trás.
Tantas chegadas e tantas partidas
Não sei em quais eu realmente estava lá.
O barco ja não se lembrava do cais.
Minha distância não era medida pelo meu afastamento
Eu ainda estava no cais e precisava, como o barco, adentrar ao mar.

Uma névoa densa cobria tudo ao redor
E eu sentia em meu corpo, o peso de uma vida inteira e de tudo que eu deixei para trás.
Um longo silêncio me afastava dos polos da minha vida.
Exausto por todo o peso que havia em mim, me abandonei ao sono.

Ao amanhecer senti que eu havia deixado o cais
Acompanhado o barco que deixou o ancoradouro.
Eu era como semente plantada que quer nascer
Descobrir os sinais que fariam eu me reconhecer.
Precisava saber de quantas dores era o meu silêncio.

Meu espírito estava solitário no mundo.
Cercado por muitas ilhas, eu apenas navegava.
No caminho me defrontei com correntezas, ventos e tempestades.
Eu continuava no leme.
Consciente de que havia me afastado da rota, ja não via horizonte onde eu pudesse chegar.

Apenas o barulho das águas.
Todo o exterior desapareceu.
Nenhum laço se quer com o mundo que deixei no cais.
Só havia um oceano sem fim a me olhar
O sol me abria caminho, e eu seguia.

Quando parti levei comigo minhas muitas guerras.
Fui em busca da paz que me faria voltar.
No mar que havia em mim, eu começava a ver uma direção.
A passagem do tempo não era sentida;
E de longe, parecia, que era o mundo que envelhecia.

As águas bravias me jogavam contra as pedras
Me chacoalhava e arrancava partes de mim
Com as partes que perdia, eu me reconstruia.
Foi em horas assim de desespero, que aceitei as perdas, me agarrei as renúncias e me redescobri.

As águas brandas resgatou as minhas muitas lembranças 
Momentos que me deixaram algo durável
Relembrei momentos inteiros que valeram a pena
As águas passaram como passa o tempo.
E pouco a pouco eu me fazia mais humano.

As tempestades que enfrentei me pareceram desfavoráveis
Mas elas lavavam tudo em mim, e levavam tudo que não era eu.
Eu era viajante do silêncio, dos dias curtos e das longas noites
E como água de nascente, eu me renovava.

A correnteza me levou à caminhos que não pensei chegar..
Eu fui a escuridão, o medo, o ruído e o nevoeiro
Muitas noites e dias, não sei precisar o tempo.
Simplesmente aconteceu: me tornei o sol, a paz, o silêncio e o mar
Eu já não era a tempestade que morava dentro de mim.

Na poesia do horizonte encontrei o meu lugar.
Refiz minhas partes, ajustei as rotas, me recompus por inteiro
Senti a brisa leve do sopro do vento.
Me senti um, com o céu e o mar
Encontrei meu tesouro, meu interior se tornou rico.

Quando eu não tinha mais nada a perder, ganhei tudo.
Quando deixei de ser eu, me encontrei
O tanto que busquei morava em mim
Fui tão longe para buscar o que estava  perto
Mas só a distância me fez encontrar

No profundo das águas deixei os rasos das minhas emoções.
Joguei no mar tudo que não era meu
As águas levaram medos, angústias, tormentos e meu velho mundo.
Outro alguém nasceu em mim, então senti falta do cais.

Eu não regressei, fiquei lá 
Quem voltou foi um outro eu
Aquele que encontrei no profundo do mar.




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