domingo, 26 de junho de 2022

TOMARA QUE A GENTE NÃO DESISTA DE SER QUEM É

                             


Que o seu melhor sorriso, esse aí tão lindo, aconteça incontáveis vezes pelo caminho. 
Que cada um deles crie mais espaço em você. 
Que cada um deles cure um pouco mais o que ainda lhe dói. 
 Que cada um deles brile uma luz que, mesmo que ninguém perceba, amacie um bocadinho as durezas do mundo. 

Tem dor que vira companhia. Olhando de perto, faz tempo que deixou de doer, só tem fama, mas a gente não solta. 
Quem sabe, pelo receio de não saber o que fazer com o espaço, às vezes grande, que ficará desocupado se ela sair de cena. 
Vazio é também terreno fértil para novos florescimentos, mas costuma causar um medo inacreditável. 

É uma benção inestimável receber amor. Mas, quando a gente dói, precisa cuidar da própria dor com o carinho com que gostaríamos de ser cuidados pelos outros. Com a atenção e a suavidade com que tantas vezes cuidamos de outras vidas. 
Os beijos bons precisam começar em nós. 

Me recordo de cada flor que veio à tona só porque tive coragem de cuidar da semente. 
Só porque não me acovardei, mesmo que tantas vezes com todo medo do mundo. 

Tomara que a gente não desista de ser quem é por nada nem ninguém deste mundo. 
Que a gente reconheça o poder do outro sem esquecer do nosso. 
Que as mentiras alheias não confundam as nossas verdades, mesmo que as mentiras e as verdades não sejam permanentes. 
Que friagem nenhuma seja capaz de encabular o nosso calor mais bonito. 
Que mesmo quando estivermos doendo, não percamos de vista nem de sonho a ideia da alegria. 

Tomara que apesar dos apesares todos, a gente continue tendo valentia suficiente para não abrir mão de se sentir feliz. 
Coragem, às vezes, é desapego. É parar de se esticar, em vão, para trazer a linha de volta. 
É permitir que voem sem que nos levem junto. É aceitar que a esperança há muito se desprendeu do sonho. 
É aceitar doer inteiro até florir de novo. É abençoar o amor, aquele lá, que a gente não alcança mais. 

Eu até já tentei ser diferente, por medo de doer, mas não tem jeito: só consigo ser igual a mim, então o jeito é deixar doer. 
Prepare surpresas. Borde delicadezas no tecido às vezes áspero das horas. Reinaugure gestos de companheirismo. Mas, não deixe para depois. Depois é um tempo sempre duvidoso. Depois é distante daqui e ele pode nem existir. 

(Ana Jácomo)

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