Outro dia me peguei pensando no tempo — não no tempo do relógio ou do céu nublado, mas nesse tempo que passa e leva tudo com ele. Não é de uma vez, claro. O tempo não tem pressa. Ele vai tirando aos poucos.
O tempo é um mestre silencioso, um ourives de horas que trabalha com as mãos vazias. Ele não traz, apenas leva. Não preenche, só esvazia. E no seu ofício paciente, torna-se especialista em criar ausências. O tempo, na verdade, é um escultor de vazios.
O tempo é mestre nisso: em afastar sem alarde. Não grita, não rompe. Apenas afasta. Vai apagando os rastros, como quem limpa pegadas da areia. E a gente segue, achando que está tudo igual, até perceber que algo falta — uma presença, uma palavra, uma rotina que fazia sentido.
No começo, é só um café que não acontece, uma conversa adiada, uma ligação esquecida. Depois, a cadeira permanece vazia mais vezes do que deveria. A risada que era trilha sonora vira eco. O perfume se mistura ao ar até se perder. O tempo não precisa correr, ele só espera. E no silêncio das horas, ele retira, com mãos leves, tudo aquilo que parecia imutável.
Ele desfia os dias como um tear desmanchando tecidos, transformando o que era tangível em sombra, o que era cheio em espaço.
O tempo é exímio nesse ofício: não deixa rastros visíveis. Só uma sensação difusa de que algo falta, que algo ficou pra trás, que algo era e não é mais.
O tempo não apaga; ele esculpe a ausência, deixando-a tão nítida que, às vezes, é possível sentir o contorno do que já não está.
Há quem diga que o tempo cura, mas penso que ele apenas faz com que a dor, antes aguda, torne-se uma coisa surda, um eco de si mesma. E mesmo quando julgamos ter esquecido, lá está ele, o tempo, soprando sobre a poeira das memórias, revelando que a ausência nunca foi vazio—apenas um molde do que um dia nos moldou.
Restamos nós: seres feitos de buracos, de silêncios, de horas que já não nos pertencem, de pedaços que vivemos e partes que se foram. E o tempo, impassível, continua seu trabalho—especialista em transformar o que era em saudade.
Mas se ele não cura, ele ensina — às vezes com delicadeza, às vezes com brutalidade — que tudo é provisório. E que algumas presenças, mesmo quando viram ausência, continuam morando em algum lugar da gente.
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